27 de maio de 2014

O semeador de sonhos

Em meio a tantas singularidades, foi o desempenho como atleta que Pedro escolheu para se apresentar ao mundo. Aos vinte e poucos anos, o jovem se  ressente de rótulos. Ele tem deficiência intelectual, mas aponta para um homem que ele afirma ter uma perna mais curta que a outra e, mesmo assim, ganhou uma medalha de ouro nas Jogos Olímpicos de 1984. “Foi esse cara que mudou a minha vida, e eu preciso agradecer”, diz enquanto caminha na direção de Joaquim Cruz.

O atleta, medalhista olímpico em Los Angeles e Seul, estava ali para visitar o projeto social do Instituto que preside. Quando chegou à sede do Clube dos DescalSOS/CAIXA, por volta das 16h do dia 28, pretendia falar um pouco sobre a filosofia do programa, que é formar seres humanos atletas. Muitos ali não vão seguir carreira no atletismo, mas podem atravessar outras portas abertas pelo esporte.

Joaquim começou a narrar a sua trajetória, e quando disse aos 40 jovens presentes que tinha muito em comum com eles, a voz embargou e os olhos se encheram de lágrimas. O que se seguiu foi um pequeno tratado sobre sonhos. “Eu também saí de um lugar humilde. E daqui podem surgir grandes campeões. O primeiro e mais importante passo é sonhar. E sonhar é de graça”. 

Quando alcançou seu primeiro grande objetivo, aos 21 anos, Joaquim talvez não tivesse ideia de que estava dando continuidade ao sonho da mãe. Movida pela saudade, dona Lídia saiu com os cinco filhos de Corrente, no Piauí, rumo a Brasília para encontrar o marido. Levou 14 dias para chegar, e fincou as suas raízes no planalto central.

O caçula, nascido depois do movimento que mudou o curso da história da família Cruz, herdou da mãe a determinação e a capacidade de ir longe atrás dos seus desejos. Encontrou pela estrada oportunidades e mestres. E decidiu proporcionar a outras pessoas a chance de percorrer um caminho semelhante ao seu. Hoje, Joaquim se emociona ao perceber do que é feito o seu legado.  “O meu sonho, que começou com a minha mãe, continua através desses jovens”, conclui. 

“Acho que ele se emociona por saber que mudou a vida de muita gente”, comenta Rhaiza Moreira, integrante dos DescalSOS/CAIXA. Aos 18 anos, ela faz parte da Rejupe - Rede de Adolescentes e Jovens pelo Direito ao Esporte Seguro e Inclusivo, criada pelo Unicef. Hoje, Rhaiza participa da elaboração de políticas públicas, já foi convidada para ir ao Congresso Nacional discutir a proteção de menores durante a realização de grandes eventos esportivos e se prepara para  representar o IJC e a Rejupe  num encontro que vai reunir representantes de 10 países em Fortaleza, Ceará.

Moradora do Riacho Fundo II, Rhaiza proporciona à sua comunidade contato com esportes considerados de elite. Por meio da Rejupe, ela distribui materiais e cartilhas, ensina alguns jovens a utiliza-los e conscientiza muitos outros sobre os benefícios do esporte. “Sinto que um dia também vou me tornar uma multiplicadora de sonhos, como o Joaquim”, pressente a menina que entrou no programa, superou um problema de saúde e passou por um processo de empoderamento. 

Ao lado de Rhaiza, a estagiária Jeissyane Almeida afirma que também teve a vida transformada pelo projeto. Ela entrou para o grupo há 10 anos, e hoje custeia o curso de Educação Física com a ajuda da bolsa atleta que recebe do Instituto. “Os passos do Joaquim inspiram muita gente aqui, e sempre que ele vem a motivação de todos aumenta”. 

Na pista de terra que os jovens utilizam para treinar, ficaram marcados os passos do ídolo. Voltar às origens é para Joaquim Cruz o fechamento de um ciclo e a garantia de que outros passos seguirão desenhando a sua trajetória. Quando o atleta deixou a sede do Clube dos DescalSOS/CAIXA, já era noite. E ninguém percebeu que a região estava sem energia elétrica. Na escuridão daquela segunda-feira, estavam todos iluminados por sonhos. E as raízes que dona Lídia plantou no Distrito Federal, encontram terreno fértil num local tão intangível como transformador: a esperança.






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